Delícias da Terra – Alfredo Wagner (SC)
O começo de tudo
A história que vamos contar, hoje, tem início com o casamento de Vera e Gilmar. E com a certeza do então jovem casal de querer continuar na agricultura familiar. Para isso, eles precisaram comprar um terreno. Porque eram filhos de produtores agrícolas proprietários de área pequenas.
O dono da área comprada aceitou que o pagamento fosse feito em prestações anuais, mas “em troco de fumo”. Isso quer dizer que as parcelas a serem pagas a cada ano foram definidas “em uma quantidade fixa de arrobas de fumo”. Assim, Vera e Gilmar começaram a nova vida juntos plantando tabaco, para ter com o que pagar a terra. Mais tarde, plantaram também cebola e criaram vacas de leite. Tudo no “convencional”, com bastante uso de “venenos” [agrotóxicos].
Vera recorda: “Foram 18 a 20 anos no cultivo do fumo. A gente vivia praticamente na miséria. Tivemos muitas dificuldades. Nós estávamos ficando doentes e não sabíamos que era [consequência] dos venenos do fumo. E tinha o trabalho na estufa [para cura ou secagem das folhas]. Uma vez o Gilmar entrou na estufa a 160 graus e quando saiu na chuva teve um choque que deu um problema de saúde que não melhora mais. O trabalho na lavoura também era duro. E sem os resultados econômicos esperados a cada ano, a gente ficava mal dos nervos”.
O começo da virada
Um irmão de Vera trabalhava no sindicato de trabalhadores e trabalhadoras na agricultura e começou “a trazer de fora a ideia de produzir cebola orgânica”. Mais uma vez é Vera quem recorda: “Como ele trabalhava no terreno do pai, que era próximo do nosso, ele me convidava para ir as reuniões. O marido era contra, mas eu ia. Aí conheci também a Acolhida na Colônia e fui a Santa Rosa de Lima conhecer o projeto de lá. E fiquei encantada”.
Vera começou, naquele momento, a insistir que parrassem de plantar fumo e se convertessem à agricultura orgânica. Gilmar sempre respondia: “No ano que vem a gente para!” Veio, então, um primeiro ano de perda quase total do fumo, com uma grande “chuva de pedra” [granizo]. Vera pensou que era a oportunidade. Mas Gilmar prosseguiu com o seu “vamos fazer mais uma safra no ano que vem, depois a gente para”. A safra seguinte veio e foi “mais um grande prejuízo, com mais uma chuva de pedra”.
A mulherada botou pra quebrar
Depois do “desastre”, Gilmar ensaiava manter a mesma postura e o mesmo discurso. Um dia, saiu de casa para resolver umas coisas. Vera e Josiana, a filha mais velha, foram até a estufa e quebraram todo o sistema interno de aquecimento e de secagem das folhas. Quando Gilmar chegou, avaliou que seria muito caro reformar tudo e aceitou parar com o fumo e se converter à produção orgânica. Isso faz 14 anos e Vera avalia: “Mais tarde, ele achou muito bom o que eu e a filha fizemos…”
Nos dois primeiros anos – até que “as terras [deles] estivessem limpas”, trabalharam na “propriedade de Fabiano de Andrade” [veja 10º Boletim Informativo]. Em seguida, começaram a produzir no terreno próprio. “Primeiro, só cebola, para vender para São Paulo”. Depois, diversificaram a produção e começaram a vender para feiras e para grupos de consumidores (cestas), em municípios mais próximos.
Uma avaliação da mudança e a sucessão na unidade familiar de produção
Como deve ter ficado claro, a mudança para a produção orgânica foi uma “busca por qualidade de vida para os membros da família”. Vera, depois de passados 14 anos, ilustra com dois exemplos os resultados da conversão:
“O Gilmar, nós fomos a dez médicos e todos eles nos disseram que, com a infecção que ele tem, se continuasse lidando com os venenos [agrotóxicos], já estaria morto.”
“Agora, temos um netinho. Não tem preço vê-lo, no meio da roça, pegar um tomatinho, mostrar para mim e dizer: oh, vó, é sem veneno! E depois limpar o fruto na roupa dele mesmo e botá-lo direto na boca.”
Sobre a sucessão [quem fica na propriedade], Vera é otimista: “A Josiana [filha mais velha] casou há nove anos e eles não quiseram ficar no campo e na agricultura. Estão muito bem! A Josilene [segunda filha], está conosco e faz faculdade [Licenciatura em Educação do Campo da UFSC, em uma turma oferecida em Alfredo Wagner]. Ela quer se formar, ser professora, mas sem sair da roça. O Emanuel [filho mais novo], continua em casa e fala que quer ficar na roça”. “Até que não venha uma mulher pra dar outra ideia pra ele”, finaliza Vera.
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